domingo, 10 de maio de 2009

PNEUMOTÓRAX

Os sapatos se encontram por debaixo da mesa, num contexto previsível de legenda rodrigueana. Os dois estão com pés de tango e vontade de o último deles, em Paris ou ali atrás daquela mobília que destoa do resto dos objetos do salão e aos olhos do muchacho que agora toca aquela milonga de Piazzola com Yo Yo Ma.

Eles nem dançam agora. Ela quer sair dali antes que aquele guapo chegue às últimas notas, preferia aquele tango pela metade. Ela fugia a todas as regras civis presumidas para aquela dança que ele a ensinara todas as manhãs.

- Eram os pés mais provocantes que eu havia visto, pensava ele quase dizendo em voz alta.
- Você gosta do tango que está tocando?
- Muito.
- Eu não quero ficar aqui até o final desta música.
- Vou completar seu Campari.
- Não, já chega. Há algo de errado com o meu colo?
- Longe disso. Sua face esta tão suave ...
- Está um pouco quente aqui dentro, se não fosse este tango...
- Repare como as pessoas estão felizes.
- Olhe para aquele casal. Quantos anos você acha que eles têm?
- Parece que já os vi antes. Uns 30.
- Ela parece ter menos. Veja suas mãos como são delicadas.
- Sim. Ele deve amá-la e talvez não seja recíproco.
- Talvez ele a peça em casamento esta noite.
- Deve ter muitos pretendentes.
- Deve. Ela parece infeliz e também acho que não sabe dançar.
- Você percebeu que eles também nos olham atentos?
- Será que algum deles nos paquera?
(Seguro sua mão com calma, beijo sua boca da forma mais calma e provocante possível. Eles ficaram sem graça)
- Ela se levantou, deve ir buscar uma soda. Ela é estranha. Você acha ela bonita?
- Bonita e estranha. Mas uma beleza simples, porém inquieta.
- Eu não gosto de beleza como a dela, sabia?
- Note que ele fica perturbado quando ela sai. Talvez por medo ou insegurança.
- Ele é um bom rapaz, tem jeito de gostar de Fernando Sabino.
- Ele parece muito correto, veja seus cabelos alinhados.
- Quando eu me referi a beleza, quis dizer que a dela parece eterna. É uma beleza que não sai do lugar, não oscila.
(Te abraço um pouco mais forte e noto que seu ombro esquerdo esta gelado. Massageio com pressão)
- Deve ser o vento que entra pela porta.
- Eu te amo sabia?
- Você percebeu que está falando isso pela primeira vez?
- Guardei esta frase por tempos, na ânsia do melhor momento.
- Justo agora que ele toca aquela música que é triste.
- Tremi por dentro em dizê-la.
- Não trema, penso que te amo também.
- Sinta a música.
- Vamos dançar?
- Desejo ir embora depois dessa...
(Minha boca a toca paciente...)
- Você parece não estar a vontade dançando comigo.
- Não noto ninguém a nossa volta, o tempo quebrou-se. Há somente eu e você e os músicos lá em cima do palco.
- Tenho um pouco de medo de viver o amor.
- Acho que tenho medo de perde-lo.
- Por que não nos encontramos antes?
- Porque tínhamos que nos encontrar neste bar velho de esquina. Te contei que quando criança quis construir um bar na esquina da minha casa para vender Prestígio e Coca-Cola, porque o homem por quem me apaixonara minutos antes bebia num boteco de rodoviária com essas arquitetura?
- Não desvie. Essa música, você, o ambiente, as rosas lá na entrada. Tudo é tão fascinante.
- Por que será que as pessoas que estão lá no balcão nos encaram?
- Talvez seja nossa imagem de um casal apaixonado. Nossos beijos são constantes, as pessoas notam e as senhoras não gostam.
- Promete ir embora antes desta canção terminar? Não gosto de ponto final nestas melodias.
- Seu desejo talvez seja ficar.
- Melhor não, não hoje.
- Posso acompanhá-la até sua casa?
- Estou confusa e um pouco zonza. Posso pegar um táxi e ir sozinha?
(Agradeço ao gentil garçom)
- Já ia pedir pra agradecê-lo.
- Eu te levo, por favor.
- Ouça: preciso reconstruir tudo o que nos ocorreu esta noite. Quero fazer isso enquanto atravesso esta cidade que sempre está sozinha a essa hora da madrugada.
- Me senti um pouco estranho em devotar meu amor. Já te pertenço. Mesmo que ainda duvides. - Hoje quero mostrar a ela que tenho um amor...Até certo dia, doce rapaz.
- Seu encanto me fascina, sempre e sempre.
- Perdoe se agora te desaponto. O táxi já vem.
- Lutarei por tê-la. Não como amante, mas como uma estrela que se admira nas noites baixas e se guarda com as duas mãos.
- Sua garota já está longe, sussurra aquele senhor de paletó amassado.
- Um pedaço de mim se foi. Suspiro como se estivesse para morrer, mas me sinto leve. Jamais amarei pela metade. Deitado, abraçando o travesseiro repouso feliz.

(Quarta-feira, 2 de Abril de 2008)
Com Fábio Mascaro

6 comentários:

Sérgio Luyz Rocha disse...

Graziela, Graziela...

"Lutarei por tê-la. Não como amante, mas como uma estrela que se admira nas noites baixas e se guarda com as duas mãos."

Você pode até nem acreditar, mas foi assim que pensei dizer ainda outro dia a um certo alguém...

Eis aí um diálogo que já está entre os meus prediletos...

"Sodades docê, moça!"...

Anônimo disse...

é isso, moça!
viver é bom,
amar é bom,
ter surpresas tb.
sentir, entender, desentender.
acertar, errar, começar tudo de novo. buscar ajuda, ar, alegria e às vezes encontrar. às vezes não. e aí continuar buscando.só não vale é sentir culpa nem culpar os dançarinos que nos tocam.
pq tah todo mundo aprendendo
a dançar... tango, salsa,
sambão, dança do
ventre, balé clássico,
passo de maluco lindo leve e solto
no salão. é tudo vida. neh não?

bjs
nome simples

Rê. disse...

Saudade Grazildesssss!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Ventura Picasso disse...

"Suspiro como se estivesse para morrer".
Lindo, lindo...
Sou suspeito, mas pensei em dár uma morridinha, pra qnd acordar... dormir e sonhar!
(Só tu, Menina).
Bjusssssssssssss

matheus matheus disse...

Que luxo.