quarta-feira, 30 de abril de 2008

UM BONDE CHAMADO TRISTEZA, PRA RIMAR COM TEREZA

- Ei, senhor. Que horas parte aquele bonde que carrega agonia nas poltronas da janela?
- Tá atrasada, menina. Ele partiu há duas semanas e agora só volta quando avistar a luz no fim do túnel.
- O que faço com isso?
- Há um hotel desses baratos, um guarda-volumes pelo prazo máximo de três dias e aquele táxi de volta.

Fincada no pátio, com todas as pessoas passando sem rosto a sua volta, como naquelas técnicas cinematográficas que aparece vez ou outra. Lá do outro lado, atrás de quinze pilastras e cortando duas filas, o velho de terno e a plaqueta: DESANUVIO.

terça-feira, 29 de abril de 2008

TREM DAS CORES

Compro: Zebras new age, tamanho Nelson Ned, encontradas aos domingos em rincões da Noroeste, ao lado de um homem de coletes que leva em uma das mãos um cabide com figurinos semi-originais de Jackson Antunes, usados em qualquer novela da Globo, e arrasta com a outra, a zebra irresistente a dias chuvosos.

Essa é a foto tirada em frente a casa da vó Florinda, a avó do Cássio, lá pelas bandas de 80, num momento típico na vida de meninos e meninas de interior, que foram clicados em cima de pequenos pôneis vestindo modelo risca-de-giz. E ele tá se sentindo Jorge, trocentos e dez anos depois, mesmo que o seu cavalo nunca tivesse sido posto de molho no Omo e finalizado na Cândida.

Mascates vestidos de homens de circo riscavam os cavalinhos com carvão, emprestavam roupas de faroeste às crianças e cobravam alguns cruzados novos pela foto que logo ganhava moldura na sala de visitas ou ia viver pra sempre aprisionadas naqueles binocúlozinhos de ver foto menor que 3x4. (vide bota de couro)

Talvez no fim, todas as conclusões tenham um ponto de partida tão improvável quanto um senhor de bigodes grisalhos e empresário do ramo automobilístico, disputando uma partida de golfe com a camisa pólo pra fora da calça.

- Naquele tempo, a casa dela ainda acompanhava as cores da moda. Era tudo mais bonito. Os fuscas de cores variadas, as geladeiras.
- Tudo colorido e abarrotado.
- Hoje em dia é tudo combinando. Chega a ser sem graça. É tão simples essas cozinhas planejadas, padronizadas. É por isso que a mulherada hoje sofre de depressão. É por não ter uma geladeira vermelha e um fogão azul, combinando com uma mesa de madeira de lei coberta com uma toalha de bolinhas feita do mesmo tecido que o marido trouxe do porto pra mulher costurar os vestidos e a saia rodada...

Eu vivi numa cozinha almodovoriana até as Casas Bahia existir. Geladeira, fogão, mesa, cadeiras, batedeira e liquidificador vermelho-batom.

A alface, o bolo de cenoura e as bananas da fruteira não causavam mal estar, abriam o apetite. Naquele tempo, ainda não fazia sentido em mim, como naquela personagem sartreana, um vestido azul anil não querer se sentar sobre uma poltrona verde-espinafre.

(a arte das fotos esticadas)

sábado, 26 de abril de 2008

ASDFGH

Tomei um porre pela metade, com uma amiga de unhas vermelhas e dedos finos de pianista, que prometeu tocar pra mim "Jesus Alegria dos Homens", de Bach e não lembrou nem a pau a melodia de "Noturno", de Chopin.

- Dedilha aí na mesa.
- Não consigo.

Mas o importante é que o toque do celular dela é uma melodia tocada por uma das mãos de João Carlos Martins e elas estão junto com o amigo que vê com desconfiança a demora das duas no banheiro, sem saber que uma delas discute sobre a paixão repentina e vergonhosa pelo Patch Adams e seu amor contagioso.

Sem contar que minutos antes ele, ex-dela, que lamenta muito ter assistido só agora, há dois dias, "O Sétimo Selo", produzido muito antes de ele vir trazer grosseria, hombridade e beleza ao mundo, que mudou sua vida da noite para o dia, disse que ela tem muito talento para narrar livros e filmes que as pessoas ainda não assitiram. Mas mesmo assim ela o peita, porque quer achar a ironia dessa observação feita por ele, mesmo quando ela finge não perceber que ele quer o bem dela, porque ainda quer viver com ela. Viver de novo com ela e seus paus homéricos.

Mas esses porres pela metade terminam mal na cama, na pia e em cima do pijama. Intimida a retirada da maquiagem, faz com que eu veja uma hóstia enorme em cima da pia. Não, não é uma hóstia enorme daquela que só padre da primeira comunhão come, é a esponja do pó compacto. Ela tá nova, a moça trouxe há alguns minutos, depois que você disse a ela, quando a encontrou no mercado, que tinha posto na chón blush e pó compacto café médio.

E essa cama cheia das mil roupas que provou antes de pôr os pés e sua barriga gorda e sequelada pra fora de casa. Essa noite ela lembrou também toda a história da sua pancinha sequeladinha e até chorou mais ou menos, porque esses porres pela metade trazem conseqüências pela metade, até lágrimas param de rolar no meio do caminho. No meio do caminho havia uma lágrima, havia uma lágrima no meio do caminho.

Apaguei a luz, me despedi com beijos, promessas de hasta luego e depois te conto o que farei. Porra, por que só agora viu que o livro que o amigo trouxe emprestado tem aquele enigma matemático de M.C Éscher na capa? Saramago é chegado naquela vã filosofia do homem tridimensional? Teria o livro algo a ver com isso? Meu estômago deu mil saltos ornamentais de três metros rasos de ver aquele monte de escadas labirintais (de labirinto ou de labirintite, não decidi ainda).

Não lata, Otto. Só estou chegando em casa. Nada de xixizinho e estrimiliques lá fora. Nem tem gente na rua. Mas cadê o amigo que saiu pra ver o Luiz Melodia e há dois dias não dá notícias do clima paulistano? Ah, Luiz Melodia e seu CD Pérola Negra virou assunto proibido na noite de ontem.

Não quero vomitar, porque não quero ter que escovar os dentes a essa altura do campeonato. BNDES: 200 cidades estariam ligadas a fraude. Mas eu nem quero saber dessa notícia agora. Nem quero saber que aquele homem era advogado do Maluf e o repórter do aparelho discreto nos dentes citou apenas que ele já defendeu Zé Ramalho...que mané Zé Ramalho, é Zé Dirceu. E cara, cadê a boca do Zé Dirceu? Como será que vive uma pessoa sem boca na Páscoa, quando todos têm muitos lábios de chocolate Garoto pra lamber?

Ai que inferno essa sede. Me ilumine, meu Deus, para que no escuro eu não tateie o copo vermelho de plástico que está em cima da bandeja de plástico verde (parece cozinha de Malhação) e tem cheiro de axilas sem desodorante.

Esquece também aquela pomada para espinhas que mancha cílios, sobrancelhas e pijamas. Amanhã, quando botar os pés no flip flop invertido terei a sensação mais linda das sensações.

"Estava indiferente às minhas equipagens,
Fossem trigo flamengo ou algodão inglês.
Quando morreu com a gente a grita dos selvagens,
Pelos Rios segui, liberto desta vez".

(Barco Ébrio - Rimbaud)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

JORGE AND ROLL

Para enrolar junto com dois cravos, um dente de alho, duas folhas secas de manjericão e carregar num patuá, no bolso da camisa. Quem não usar camisa, não leva:

Ainda não é o momento da explosão, do doravante tudo é calma, de Rimbaud, das bexigas e línguas de sogra na chegada, da sacolejada da bandeira quadriculada, da champagne tamanho família, da esquadrilha da fumaça num céu de brigadeiro, da pose pro retrato, do abraço apertado e do tapinha nas costas, nada disso. Ainda não é o momento.

Ainda não é o momento que deveria ser e como tudo nessa temporada sem fim tá valendo, nada a perder, menos ainda a ganhar, ela resolveu vestir as roupas e as armas de Jorge, ao descobrir suas causas hoje às 20h12 e pedir proteção às 21h12, por coincidência das horas.

Já o conhecia da lua, do samba-rock e da parede da sala daquela curandeira que punha fim em aftas, sapinhos, fobias, espinhela caída e ansiedade , que aparecia na terça, de ir ao clube no sábado.

- Muito prazer, Jorge. Dá uma beira para mim aí no seu cavalo lavado com Omo. Seguro sua espada e esse seu chapéu alegórico se por acaso o vento bater mais forte. Não é chacota, sou sincera agora e não gosto dessas piadas que fazem rir a uma só pessoa. Ainda não sei se ficarei pra sempre olhando nessa posição inclinada da foto, a Terra aqui de cima. Mas por ora, resolvi ficar e acho até que ficarei para sempre. Estou gostando de você, desse seu jeito valente, visto por telescópio por adultos e por crianças a olho nu. Aqui onde a única coisa que se ouve da Terra é a voz da Elza Soares na primeira canção de um show. Você fica aí na frente de escudo e eu vou aqui atrás enjoando, mas não pedindo arrego, com os galopes.

A torcida alvinegra tá fazendo um coro filha da puta aqui dentro do meu peito. Mas ainda não é momento do tapinha nas costas, do abraço apertado, da esquadrilha da fumaça num céu de brigadeiro...

segunda-feira, 21 de abril de 2008

ARTURO BANDINI

Obrigada por tornar ainda mais retalhado meu abril despedaçado, desgraçado, arremessado, mal trapilho e mal vestido. Agradeço porque é justo colocar as suas angústias, que também são minhas e as minhas, que também são suas, num saco sem fundo e esperar pelo momento em que elas irão transbordar.

Aquele papo de que pra tudo dá-se um jeito eu tô careca de saber e você sem unhas de tanto acreditar nisso. Mas o certo é que essa espera pelo trem que não corre porque suas passageiras não tiveram coragem de abanar o lencinho branco na estação, colocar a cabeça pra dentro da janela e olhar pra frente sem uma gota de lágrima está me colocando cada dia mais pra dentro de mim, tirando o sabor de todas as comidas e aumentando a afeição pelo travesseiro e pelo quarto escuro.

Até o apreço pelas unhas coloridas de rosa choc, que estava segurando a onda dessa temporada fracassada, foi embora ontem à tarde. Nessa atual conjuntura, como se acostumou a dizer, aquele interesse casto por sua mão esmaltada tinha uma explicação tão íntima quanto a real opinião sobre a própria aparência.

Você escreveu querendo saber o que eu venderia, quando eu nem tinha parado pra pensar que nosso bota-fora teria valores ainda inestimáveis. Como não há tabela de preços para fotos de beca do maternal e coleção de fábulas que me fez descobrir o significado dos adjetivos "extraordinário", "magnífico" e "aflita", temo ter de vender minha alma enclausurada e por um preço bem abaixo do mercado.

O dia em que eu tirar os pés do chão e colocar nessa merda de estrada te arranco de onde estiver e com a roupa do corpo. Sem essa de João e Maria, mesmo com o risco de nos perder, me recuso a lembrar como fazemos para voltar.

Nunca volto atrás em rituais, espero que você faça o mesmo se a aquela mosca da coragem te picar primeiro.

Levo uma pilha de poemas nunca lidos antes e, se encontrar, meu velho walkman. Na mochila, tênis e camisetas, para combinar com essas caminhadas que levam a algum lugar ou a lugar nenhum.

Silêncio só existe no sono, e olha lá se você não roncar. Diz ele, que eu nem respiro enquanto durmo. Eu não disse isso a ele e nem a mais ninguém, mas é que morro por alguns segundos pra saber o que de fato compensa.

Viva as coincidências que batem a nossa porta ao mesmo tempo, mesmo quando estamos em silêncio, cada qual com seu fantasma, que de longe me parecem tão idênticos...

quarta-feira, 16 de abril de 2008

PROCURA-SE UM UMBIGO DESESPERADAMENTE...

Olá, Ziraldo.

Eu sou Graziela, tenho 24 anos e escrevo pra dizer que o umbigo Rolim fugiu do meu corpo há cinco meses. É certo que ele vai voltar. Mas o que me preocupa é saber que ele não será o mesmo que eu apoiava os livros que li quando era bem pequenininha e nem aquele que a minha mãe me ensinou a limpar com um pouquinho de álcool. E olha que naqueles tempos nem se ouvia falar em álcool gel.

Sabe Ziraldo, descobri há pouco tempo que o senhor é de verdade. Não foi na época que eu encontrava seu nome em letra de forma nas capas daqueles livros que ocupavam o segundo andar da prateleira que ficava na biblioteca municipal, duas quadras acima da minha casa.

Naquela época eu nem sabia que você era de verdade, porque não tinha visto muitas pessoas usarem cabelo de algodão e escrever sobre as listras que apareciam na televisão sempre às cinco horas da manhã.

Nem era pra eu dividir isso que me aflige com o senhor, mas sinto como se fôssemos amigos há muito tempo. Escutei sua voz baixinha enquanto lia coisas que o senhor criava quando eu era uma menina e vi que o senhor era meu amigo e poderia me ajudar a ter notícias do Rolim.

Explico: Meu intestino, o Justino (se o senhor tivesse batido na porta da pele e entrado no corpo humano naquela série do Juvenal e Rolim, talvez seria esse o nome do delgado e do grosso) foi perfurado num acidente. E para que eu continuasse a viver ele teve que ser costurado às pressas.

Mas antes disso, a barriga que Rolim habitava há 23 anos teve que ser rasgada. A trilha do corte passou pela casinha pequena e aconchegante do meu umbiguinho. Estou certa de que Rolim fugiu de medo quando viu que o bisturi ia passar por cima dele. Eu não tive tempo de dizer que ia ficar tudo bem com a gente porque não sabia que ele não estaria mais ali depois que eu acordasse muitas horas depois da cirurgia.

A pinta que divida o aluguel da minha barriga com Rolim tem saudade dele. Da época, em que juntos, sonhavam em enfeitar a Garota de Ipanema. Ela ficou aqui e mesmo tendo que conviver com uma espécie de espinha de peixe produzida por agulha e linha, ela se sente bem porque eu digo a ela que é o mapa do Chile que está escondido na minha barriga junto com um monte de poemas do Pablo Neruda. E ela fica feliz porque assim pode ler coisas exclusivas o dia todo enquanto espera por Rolim.

Mas eu escrevi mesmo essa carta para avisar que se ele passar aí pela sua mesa, assustado, o senhor pode fazer o favor de pedir para ele voltar pra casa? Avise que o pior já passou e que assim que o mapa do Chile for embora junto com outro bisturi, ele vai ter a chance de ser o meninho da Garota de Ipanema.

Muito obrigada, Ziraldo. Já me sinto melhor por ter dividido essa história com o senhor. Espero notícias suas e dele.

Graziela Nunes
05 de abril de 2008
Bilac – São Paulo

PS: Não colocava uma carta no correio desde que a Danone parou de pedir pra gente enviar rótulos de iogurte para concorrer a mountain bikes e patins. Mas está foi enviada há poucos dias e para o endereço do destinatário, na rua Baronesa de Poconé.

domingo, 13 de abril de 2008

DE MAGAZINE LUIZA A TERREIRO DE UMBANDA

Não vim aqui para explicar nada, nunca. Fui feita para compreender, sempre. Não me peça mais informações, pistas e bis. Se as palavras saíram naquela ordem e com aquela métrica, assim era pra ser. Desperdiço palavras quando falo e economizo quando escrevo.

Não me peça para dizer algo combinado e para fingir que não é comigo. Não tente me convencer de algo que é certo que eu vou me convencer sozinha poucos minutos depois que desistiu de me convencer. Os créditos são seus e isso não é intencional.

Me peça uma segunda chance, um beijo no olho, o modelo da bolsa de melancia e o lápis de olho emprestado. Caneta Bic, nem pensar.

Não olho para o chão. Sou assim desde que nasci e nem sabia que era para ser assim. Claro que não faço só o que eu gosto, o mundo não é só meu. Tem uma penca de desafortunados querendo ter sua porção de chefia.

Não fico à vontade com copos d’ água, monólogos e pessoas que sabem o que fazer sempre. Se duvidar, até gaguejo. Gosto e (re) gosto das coisas na proporção exata que odeio e (re) odeio. Tenho a mania de querer entrar nas coisas que me fazem bem.

Sou perita em desapontar. Sou muita gente ao mesmo tempo. Diria até que só sei quem sou realmente quando ao mesmo tempo sou várias. Também me reconheço em todos os relacionamentos amorosos. É quando me amo mais. É talvez a única vez que me amo como deveria. Me amo quando alguém também me ama, acabei descobrindo essa coincidência.

Pauso filme para tirar conclusões com a janela ou com a cabeceira da cama e nunca consigo fazer isso parada. Uma vez enquanto os créditos subiam no documentário do Cartola, fiz observações com o South Park de pano.

Já andei de ônibus tentando entrar num poema do Manoel de Barros, era sobre o vento. Um dia ganhei o título de boneca de pano de duas pessoas diferentes, mas por razões iguais. Não conto nem fudendo .

Ri três dias seguidos enquanto tomava banho, só de lembrar do encontro com o sobrinho do Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade...

Chamo as pessoas pelo nome quando elas têm um apelido. Olho no relógio três vezes antes de guardar a hora. Dispenso pérolas e fico com as contas de madeira, mas não é sempre.

Danço conforme a música desde que ela não tenha rimas descabidas e exija encostar a vulva na boca da garrafa.

Aos sete anos tentei construir um bar na esquina de casa, onde venderia bebidas e Prestígio, porque o cara que usava chapéu e espora e por quem eu tinha me apaixonado bebia num bar de rodoviária com aquela arquitetura. Fiquei interessada nele algumas horas, depois passou. Passou na velocidade da disposição que eu tinha para arrumar minhas coisas e dizer para a minha mãe, aos oito, que estava me mudando dali.

Ler tanto na infância me valeu finais de histórias mais originais do que o das outras crianças. Pela primeira vez na história da minha vida, a contar da hora em que eu nasci numa manhã carnavalesca de 1984 até este momento que procuro caracteres que descansem minha insônia, fui boa em alguma coisa.

Também teve aquela vez que enquanto todos mostravam suas impressões do Sítio do Pica-Pau Amarelo na cartolina de pouca metragem, eu corri pegar um sabugo e enfeitar com pernas, braços e cartola. Recebi homenagens, pompas e circunstâncias. No outro dia, parecia que o Visconde de Sabugosa tinha entrado numa linha de produção, apareceram cópias infinitas. Foi aí que comecei a ditar certas modas. Gostava tanto que cada dia tinha coisa nova no pedaço.

Não sou muito boa em nada. Mas o dia em que falar de trás pra frente for visto como genialidade, estarei certamente no livro dos recordes por recitar em 13 minutos, “Os Lvusíadas” na ordem inversa.

Não precisarei trabalhar feito um burro de carga para ter as coisas que materialmente julgo mais valiosas: um chapéu cloche, um coqueiro um metro e meio maior do que o muro e uma horta de manjericão. E se casar como manda o figurino, será só para sair com o bonito chapéu na foto oficial.

Só um balde de jabuticabas é capaz de me comprar. Me vendo, me dou e me troco por um balde de jabuticabas. Gosto tanto dessas bolinhas, que um dia uma grudou no vestido que eu mais gostava e eu a deixei ficar por lá. Uso o vestido mesmo assim.

Gosto de trincas. Ménage à trois e triangulo amoroso, não sei ainda. Talvez sexo, drogas e rock and roll; cama, mesa e banho; barba, cabelo e bigode; Bach, incenso e chocolate; eu, tu eles.

Tenho amigos que me carregam de guarda-chuva numa noite de céu estrelado até o bar da esquina lotado de estudantes; presenteiam com uma sacola de sonho de valsa conjugado; me chamam pra tirar a roupa na praça Doutor Gama numa terça-feira às duas da tarde; vão pra balada com a roupa do trabalho do dia todo, porque querem ficar parecidos comigo; falam cada sílaba do meu nome pausadamente e diz que um dia vai se cansar de mim, mas só daqui a quatro anos e mesmo sendo advogado de um grande latifundiário, aceita ser visto comigo; compram doces de boteco para entrar no ringue com minha TPM...

Se quiser levar adiante, não peça pela bula.

sábado, 12 de abril de 2008

Alecrim e sálvia em barra estão no banheiro cortado por um muro azulejado. O toalete é o dividido e não o sabonete. O tapete feito em casa, na minha não, na de outro alguém que também gostava de fazer bico para guardanapo e presentear. Um Protex em cima do muro azulejado e só. Estava feito o cenário.

A combinação alecrim e sálvia dava em “Amor Psique” do avesso. Por que entrou neste banheiro justo neste ínterim das seis às oito da noite de sábado? Aquele intervalo era o terror das horas. Mais do que qualquer temível segunda-feira, às sete e nostálgicos domingos, às nove.

O cheiro das duas ervas levou direto ao tempo em que com essa barra cosmética lavava feridas abertas, sabia sem errar a programação da TV e lia livros de 300 páginas em menos de sete dias. Não queria lembrar desses dias, não queria lembrar que era Natal e mal podia viver o que se passava lá fora. Nem a samambaia decorada com bolas azuis e vermelhas.

Não era o que queria? Entrar em todas as coisas que gostava? Pois então. Entrou na cegueira de Saramago. Descobriu-se num cachorro que andava junto sem pedir um vintém e não mais nos relacionamentos amorosos como chegara a concluir.

- Ei, leva esse aroma daqui. Queima esse aroma, embrulha ele num jornal que já não serve mais para levar o peixe, faz dele picadinho no ralo do mesmo banheiro, se quiser. Leve como levou aqueles pijamas da época, flip flops de algodão, ácidos graxos essenciais com óleo de girassol, bolsa d’ água e aquele quilo de beterraba. Isso foi enterrado com a mesma foice que enterrou o amigo dias antes e cogitou enterrá-la, mudando de idéia e voltando atrás, antes de mudar de idéia definitivamente, dias depois.

(nem quero saber se o pronome oblíquo seria mais bem-vindo do que um artigo determinado, ou seja lá o que for, hoje não tô pra Sacconi e ele também nunca tá pra mim...)

POR QUE QUE A GENTE É ASSIM?

Ela: Cantora de gosto apurado (Tom Zé, Karnak, Maurício Pereira, Fábrica da Arte e Maria Rita), clown, bolsas de outro mundo, cabelos cacheados, dentes mais perfeitos que eu já vi, cinco palavrões a cada três paroxítonas, trocou o Frejat pelo teatro.

Ela 2: Desafinada de gosto duvidoso, também clown, bolsas de outro mundo ao quadrado, finos modos em fila de lotérica e correio, sapatos coloridos, preferiu o Frejat e um monte de motocicletas lazarentas:

- Frejat do caraio
- Frejat da buceta
- Frejat do cu do capeta
- Frejat de rola de saci
- kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk (risos eternos)
- Frejat de pinto de mamulengo
- kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
- O pinto de mamulengo deve ser do tamanho do meu braço
- E molengo...balanga pra lá e pra cá

Proibido para pessoas que leram Sabrina até os 18.

(a arte das fotos esticadas)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

BAMBOLEIO

Peguei um inseto transando com a letra O do meu teclado.
Limpei com álcool.
Tenho nojo de porra de inseto.
Tenho mais nojo ainda de inseto que rebola.
Se tivesse muito dinheiro, aplicaria até minha moeda número um numa fórmula que acabasse com essa espécie até na forma empalhada ou aprisionada naqueles cinzeiros macabros.
É a segunda vez que topo com um inseto com quadril de Sidney Magal.
Da outra vez, ele deu uma de Maurice Béjart na frente de um ônibus inteiro.
Fiquei ruborizada de ver aquele bicho laranja e diminuto se masturbando na minha janela.
Ele se comia com seu próprio sexo. Era de encaixe, tipo aquele breguinaite (essa dói, mas é melhor do que dizer que é um casulo) que vem dentro do kinder ovo.
Eu nem precisava dizer que aquele bicho não me pertencia, que não era eu a responsável por ele, mas mesmo assim ele me constrangia por estar ali perto de mim.
Era como um desabusado prestes a fazer aquela homenagem ali do lado.
Não tem nada a ver com você, mas ao mesmo tempo tem.
Bem, não estou dizendo que o bicho estava tarado por mim, longe disso.
Nem sei mais o que estou dizendo.
Esse sexo à mostra, sem uso oportuno me deixa nervosa. Nervosa como fico com copos d’ água perto de mim.
A sensação era a mesma de quando eu via aquela trinca de porquinhos de toalha no Ratimbum.
Nem mesmo as cenas mais tórridas de Sônia Braga na pele de suas baianas poderia incitar mais vouyerismo que aqueles suínos se esfregando com bundas enormes e fuças de prazer.

Nunca sei o que fazer com insetos com ereção.
Levo mais jeito com os cachorros anfitriãos que enrabam canelas ainda na porta da sala.
Esses insetos que trepam me constrangem mais do que uma sala cheia e um casal gemendo no quarto ao lado. Mesmo que esse casal seja parente de primeiro grau.

Bem feito, o bicho foi gozar com o Machado de Assis, que estava no marcador de livro que eu usei pra expulsá-lo do azul celeste do meu quarto. Assim é bom porque aprende um pouco de literatura. E tomara que tenha um HPV e se espalhe mais que ebola pra a sua raça de pequenos pervertidos.

Porra, ainda se fosse o Scroll Lock.

Tirei o livro da estante e abri direto e reto na página que eu queria. Não que ela tivesse viciada, pelo contrário, as páginas sem cola e amarras estão dentro de uma caixinha de papelão com laçarote roxo e aquelas iluminuras que eu quero na parede da lavanderia.

Nas férias, toda tarde eu via a lesma no quintal. Era a mesma lesma. Eu via toda tarde a mesma lesma se despregar da sua concha, no quintal, e subir na pedra. E ela me parecia viciada. A lesma ficava pregada na pedra, nua de gosto. Ela possuíra a pedra? Ou seria possuída? Eu era pervertido naquele espetáculo. E se eu fosse um voyeur no quintal, sem binóculos? Podia ser. Mas eu nunca neguei para os meus pais que eu gostava de ver a lesma se entregar à pedra. (Pode ser que eu esteja empregando erradamente o verbo entregar, em vez de subir. Pode ser. Mas ao fim não dará na mesma?) Nunca escondi aquele meu delírio erótico. Nunca escondi de meus pais aquele gosto supremo de ver. Dava a impressão que havia uma troca voraz entre a lesma e a pedra. Confesso, aliás, que eu gostava muito, a esse tempo, de todos os seres que andavam a esfregar as barrigas no chão. Largatixas fossem muito principais do que as lesmas nesse ponto. Eram esses pequenos seres que viviam ao gosto do chão que me davam fascínio. Eu não via nenhum espetáculo mais edificante do que pertencer do chão. Para mim, esses pequenos seres tinham o privilégio de ouvir as fontes da Terra.
Manoel de Marros. "Memórias Inventadas: A Infância". São Paulo: Planeta, 2003.

QUANDO ACABAR A HEREGE SOU EU...

Nas paradas de sucesso, desde que levou aos palcos aquela metáfora que diz que a fé move montanhas, padre marcelo fará um megashow para comemorar dez anos de inteeeeeeeeeeeeeensa carreira musical. Ele se apresenta num dia que não vem ao caso, num lugar que não interessa saber, ao lado de músicos de várias gerações, tamanhos e modelos. O concerto agradará gregos, judeus, ecumênicos e troianos.

A Rita Lee mandou dizer que não vai, nem o Lulu Santos. Menos pelo padre e mais por Chitãozinho e Xororó que ainda insistem naquele corte de cabelo. Em compensação, Alcione, Sérgio Reis e Aguinaldo Rayol representam a velha guarda de qualquer vanguarda que eu não sei o nome, enquanto Maurício Manieri, Daniel, Paulo Ricardo (Paulo Ricardo????) e KLB aproveitam a boquinha para dizer que o próximo disco deve sair até o fim de ...

Em tempos de seca para o mercado fonográfico, o também cantor das multidões (que espera três milhões de pessoas para usufruir de 300 mil watts de potência sonora, 2,6 mil policiais militares e 900 pessoas uniformizadas de seguranças, guardas civis e brigadistas) é o campeão de vendas de CD. O Emule e aquele ícone que o identifica ganhou inscrição na tábua de Moisés como tentação do capeta. Para aguentar o pique da micareta, haverá ainda 30 postos de alimentações espalhados pela área de um milhão de metros quadrados . Não, camarotes não foram montados.

"A fé precisa de um empurrãozinho dos mass media", insinuou ele.

Adivinha o quê?
Para cristalizar a carreira, usará de um ritual já experimentado por outro homem sagrado da música que também usa roupas brancas e volta e meia, entre uma "coisa bonita, coisa gostosa, quem foi que disse que tem que ser magra pra ser formosa?" e "não tire esses óculos, use e abuse dos óculos", também bate palma num refrão de Jesus Cristo.

"Todos vão ganhar uma flor vermelha (...). Não é superstição, é um ato sacramental, que vai simbolizar o desejo de todos pela paz", disse olhando firme principalmente para você que ficou cutucando a outra querendo dizer: "já vi esse filme antes".

Em nome de Jesus vale...
* ser corinthiano (é uma estratégia de marketing para angariar mais fãs, seguindo aquela linha de pastores veacos que levam para a igreja ex-drogado, ex-cafetão, ex-traficante, ex-roqueiro, ex-malandro)
* estrelar no arquivo confidencial
* fazer aparições em mesa-redonda para discutir o campeonato da segunda divisão
* sentar no sofá branco e encardido daquela apresentadora de raiz morena ao lado de dos silicones saltitantes
* fazer coreografias conhecidas do grande público naquele programa em que as meninas dançanvam em cima de taças

É o que corre por aí junto com as carolas de camiseta branca e terço bizantino que acotovelam-se para pegar o primeiro lugar na fila do gargarejo.



TOCA O BARCO, BUKOWSKI

você pode não acreditar nisto
mas há as pessoas que passam pela vida com muito pouca fricção de angústia.
eles se vestem bem, dormem bem.
eles estão contentes com a família deles.
com a vida.
eles são imperturbáveis e freqüentemente se sentem muito bem.
e quando eles morrem é uma morte fácil, normalmente durante o sono.
você pode não acreditar nisto mas tais pessoas existem.
mas eu não sou nenhum deles.
oh não, eu não sou nenhum deles, eu não estou nem mesmo próximo para ser um deles.
mas eles estão lá ...
e eu estou aqui.

(isso já tem dono)

sábado, 5 de abril de 2008

CÃO-PAQUITA

O Otto é o cão mais bem resolvido sexualmente que já topei. Faz amor com uma almofada azul e dá uns catos na vassoura que serve para aspirar o pó.

É um vouyer, adora sexo e para ele não existe fronteiras de dimensão, cavidade e encaixe. Está à frente do tempo canino. Às vezes o salvo de um espetáculo ridículo para os outros, quando ele tenta, com sucesso, enrabar a almofada que tomou como dele, frente a olhares curiosos vindo da rua.

- Otto, coisa feia. E ele dá uma olhadinha para trás e continua naquele mais molha do que chove.

E é um swing quando ele pede para que todas elas sejam postas no chão. É uma visão constrangedora, bem sei. Mas as únicas vizinhas cadelas dele não são para o seu bico. É um rapazinho bem bonito e dá se ao luxo de escolher. Faz bem.

Com a almofada foi amor a primeira vista à estática meio móbil. Já a vassoura foi aquele barulhinho. Ah é,ele não se esfrega na vassoura, só paquera, fica do lado, dormem juntos. Ele é ciumento com ela.

O Otto gosta de waffer de morango, pede jujuba todos os dias, sim pede. Detesta incenso e fica engraçado por não gostar desse cheirinho de lojas esotéricas de portinha estreita, cortinas de flores de plástico e móbiles por todo o teto. Ele fica como o cacoete do Lima Duarte num antigo folhetim das sete. Gosta de Janis Joplin e Secos e Molhados. Tem narizinho de botão de sofá e é bicolor.

Ele vai para um programa de TV, só preciso arranjar tempo para o teste.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

A ÚNICA COISA A FAZER É TOCAR UM TANGO ARGENTINO, disse o médico

Os sapatos se encontram por debaixo da mesa, num contexto previsível de legenda rodrigueana. Os dois estão com pés de tango e vontade de o último deles, em Paris ou ali atrás daquela mobília que destoa do resto dos objetos do salão e aos olhos do muchacho que agora toca aquela milonga de Piazzola com Yo Yo Ma.

Eles nem dançam agora. Ela quer sair dali antes que aquele guapo chegue às últimas notas, preferia aquele tango pela metade. Ela fugia a todas as regras civis presumidas para aquela dança que ele a ensinara todas as manhãs.

- Eram os pés mais provocantes que eu havia visto, pensava ele quase dizendo em voz alta.
- Você gosta do tango que está tocando?
- Muito.
- Eu não quero ficar aqui até o final desta música.
- Vou completar seu Campari.
- Não, já chega. Há algo de errado com o meu colo?
- Longe disso. Sua face esta tão suave ...
- Está um pouco quente aqui dentro, se não fosse este tango...
- Repare como as pessoas estão felizes.
- Olhe para aquele casal. Quantos anos você acha que eles têm?
- Parece que já os vi antes. Uns 30.
- Ela parece ter menos. Veja suas mãos como são delicadas.
- Sim. Ele deve amá-la e talvez não seja recíproco.
- Talvez ele a peça em casamento esta noite.
- Deve ter muitos pretendentes.
- Deve. Ela parece infeliz e também acho que ela não sabe dançar.
- Você percebeu que eles também nos olham atentos?
- Será que algum deles nos paquera?
- Seguro sua mão com calma, beijo sua boca da forma mais calma e provocante possível. Eles ficaram sem graça.
- Ela se levantou, deve ir buscar uma soda. Ela é estranha. Você acha ela bonita?
- Bonita e estranha. Mas uma beleza simples, porém inquieta.
- Eu não gosto de beleza como a dela, sabia?
- Note que ele fica perturbado quando ela sai. Talvez por medo ou insegurança.
- Ele é um bom rapaz, tem jeito de gostar de Fernando Sabino.
- Ele parece muito correto, veja seus cabelos alinhados.
- Quando eu me referi a beleza, quis dizer que a dela parece eterna. É uma beleza que não sai do lugar, não oscila.
- Te abraço um pouco mais forte e noto que seu ombro esquerdo esta gelado. Massageio com pressão.
- Deve ser o vento que entra pela porta.
- Eu te amo sabia?
- Você percebeu que está falando isso pela primeira vez?
- Guardei esta frase por tempos, na ânsia do melhor momento.
- Justo agora que ele toca aquela música que é triste.
- Tremi por dentro em dizê-la.
- Não trema, penso que te amo também.
- Sinta a música.
- Vamos dançar?
- Desejo ir embora depois dessa...
- Minha boca a toca paciente...
- Você parece não estar a vontade dançando comigo.
- Não noto ninguém a nossa volta, o tempo quebrou-se. Há somente eu e você e os músicos lá em cima do palco.
- Tenho um pouco de medo de viver o amor.
- Acho que tenho medo de perder-te. Por que não nos encontramos antes?
- Porque tínhamos que nos encontrar neste bar velho de esquina.
- Essa música, você, o ambiente, as rosas lá na entrada. Tudo é tão fascinante.
- Por que será que as pessoas que estão lá no balcão nos encaram?
- Talvez seja nossa imagem de um casal apaixonado. Nossos beijos são constantes, as pessoas notam e as senhoras não gostam.
- Promete ir embora antes desta canção terminar? Não gosto de ponto final nestas melodias.
- Seu desejo talvez seja ficar.
- Melhor não, não hoje.
- Posso acompanhá-la até sua casa?
- Estou confusa e um pouco zonza. Posso tomar um táxi e ir sozinha?
- Agradeço ao gentil garçom.
- Já ia pedir pra agradecê-lo.
- Eu te levo, por favor.
- Ouça: preciso reconstruir em meu pensamento tudo o que nos ocorreu esta noite. Quero fazer isso enquanto atravesso esta cidade que sempre está sozinha a essa hora da noite.
- Me senti um pouco estranho em devotar meu amor. Já te pertenço. Mesmo que ainda duvides. - Hoje quero mostrar a ela que tenho um amor...Até certo dia, doce rapaz.
- Seu encanto me fascina, sempre e sempre.
- Perdoe se agora te desaponto. O táxi já vem.
- Lutarei por tê-la. Não como amante, mas como uma estrela que se admira nas noites baixas e se guarda com as duas mãos.
- Sua garota já está longe, sussurra aquele senhor de paletó amassado.
- Um pedaço de mim se foi. Suspiro como se estivesse para morrer, mas me sinto leve. Jamais amarei pela metade. Deitado, abraçando o travesseiro repouso feliz.