quinta-feira, 27 de novembro de 2008

UMA COLHER DE PAU DE PÁPRICA E NOZ MOSCADA

Esconderam o sal da comida, estocaram onde eu não alcanço todos os potes plásticos de açúcar, pimenta então? mandaram dizer que não existe mais. Insosso, inodoro, incolor e insípido, a trinca melhorada daquelas coisas que a gente aprende nas primeiras aulas de ciências, antes de saber que não adianta tomar aspiririna quando o coração dói, mais ainda a noite.

Da série: Coisas que começaram a doer agora há pouco.

domingo, 23 de novembro de 2008

FECHARAM A PORTA, COM CUIDADO, ÀS TRÊS

Mesmo com a correria diária, o acaso deu conta de colocar pompas e circunstâncias na despedida. Escolheu a exatidão das horas, um domingo, a casa vazia, comida sem sustância e Gardel. Em algum lugar, sempre, alguém não estará usando o desodorante aerosol desde o mês três. A faxineira irá parar de ir às terças-feiras. Uma família com dinheiro aplicado na Caixa estadual deixará de curtir o resto do verão na serra. Já houve em Paris o último tango, a última cruzada, houve até o último dos moicanos. Eterno tem a mesma duração de permanente nos cabelos, disse alguém, há muito tempo, numa revista que nunca mais chegou às bancas.

Da série: Coisas que começaram a doer agora há pouco.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

PESO LÍQUIDO COM SAL MARGARINA VEGETAL

Lembranças não possuem prazo de validade, assim como insistem em não ter códigos de barras os dias que estão por vir, o mesmo tom do sussurro e os recibos de táxi.

sábado, 15 de novembro de 2008

CASA COM BIDÊ E SEM CARPETE

Ficou parecendo aquele dia de sopa de ginásio no uniforme de ginásio, com saia e meia de ginásio disputando uma semi-final no ginásio. Lembranças se vendem às pencas. Decepções a dúzia e feijão a metro quadrado o quilo. Do mesmo material da lembrança, até mesmo do mesmo números de sílabas, é feito o gosto duvidoso por broches com pedra topázio.

NÃO ACREDITO EM TANGO

Não, não está amassada sua Hering Kids num corpo de 20 anos. Você é a segunda pessoa que usa esse sofá com uma camiseta dessa coleção de mangas. Não, não é comum eu pensar que as pessoas são divididas e subdivididas por falar: ornar, ordenado, firma onde trabalho, ter cheiro de maquiagem por vencer em sábados a noite e domingos à tarde e ter botões encapados e perdidos em portas jóias-semi-novas. É um delírio construtivo. Precisava pensar em algo pouca coisa caótico enquanto você escrevia sobre mim em letras miúdas e debruçado ainda em sono.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

SECOS, MOLHADOS E A GRANEL

Aos sete anos tentou, sem vão, construir um bar na esquina de casa. Lá venderia bebidas e Prestígio, porque o cara que usava chapéu e espora e por quem tinha se apaixonado bebia num bar de rodoviária com aquela arquitetura, naquele sábado. Ficou interessada nele algumas horas, depois passou. Passou na velocidade da disposição que tinha para arrumar suas coisas e dizer para a mãe, aos oito, que estava se mudando dali.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

DEMOGRAFIA DE GABO

Quis voltar a Macondo, mas Macondo não mais existia. As três velhas fiandeiras, formando um puzzle desdentado, tinham prazer em dizer: Os últimos sonhadores fizeram as malas já tem um mês... E olha só como as crianças continuam cirandando como se nada nunca tivesse acontecido. Mas nada aconteceu para aquele que ainda espera até às sete para colocar a cadeira na calçada da esquina, mesmo tendo passado por ele tantas vezes a menina do vestido com flores e o rapaz de bermuda tentando acertar o passo. Os dois querendo saber com suas noções individuais de direção onde ficou Macondo, como a Paris daqueles dois de chapéu em preto e branco há muitos anos.

CHARUTOS E REVOLUÇÕES MAIS TARDE

Tinha ido tirar os últimos pentelhos de outrem do seu sabonete araxá, enquanto a algumas médias léguas dali ele bebia café no porto e ela se pirulitava com a caixa amassada do tal de araxá. Depois de sentir por dois momentos o cheiro quente do café dele, ela deduz:
- Está me esperando há muito tempo?
O marido ao largo, se preparando para embarcar com ela:
- A vida inteira.
Uma outra mulher como ela, sem ser ela, mas que deixou por aí cenários de despedidas como a dela:
- Precisa de algo?
Ele, que entrou na hora da pré-estréia:
- Claro, o coração para levar comigo e os lábios para beijar.

Pra fazer igual a cena antológica de HAVANA (Robert Redford e Lena Olin).