quarta-feira, 12 de março de 2008

HANIN

E foi fácil se convencer de que não serviria para ser a mulher ideal nem para aquele sujeito que num domingo sem alternativas acompanhava sorteio da tele-sena, esboçando rápidos planos de como seria se tivesse R$ 500 mil a mais em sua conta.

Sujeito esse, típico de um dia assim, ganhava contornos formidáveis para ela, aquela pequena que guardava papos seqüenciais sobre tragédias gregas, pratos do mediterrâneo, bastidores da política atual, indo de assuntos Marie Claire às receitas de Palmirinha, conseguindo entrar em temas que abordavam de hábitos de Hélio Oiticica às esticadas de Maysa, com opiniões modeladas e citações de efeitos seguidas de risos sutis para demonstrar o quanto seria uma companhia interessante. Isso por dentro. Por fora ainda reservava olhar de uma bacante, como se presenciasse um longo vai e vem.

E aquele um, de controle remoto a postos, ainda a olhava de cima, como se quisesse, mas tentasse seguir as ordens da mãe para arranjar alguém mais condizente com uma mulher para conservar ervilhas para salada e esconder o comprimento da saia com um avental de barrados em ponto pipoca e grampos no cabelo.

E ela, com sua calcinha polaca, os peitos folgados numa blusa branca das antigas, com a mesma panca que já havia feito a cabeça de tantos homens em outros tempos, estava ali cara a cara com aquele que usava o mesmo fio dental de 99.

Como pudera cogitar ser dele, aquele que tudo sabia, tudo podia e tudo oferecia à outra. Era pra outra que ele deixava bilhetinhos amorosos colados na porta da geladeira, cuidava em dias de tristeza, dava carona até o trabalho e acordava pra um rapidex às três da manhã.

Não que ele não pudesse ser dela. Poderia, mas não agora. Não agora enquanto ela ruminava o fracasso diante de tantas coisas que a foderam em ordem alfabética. Para ele, não poderia ser qualquer coisa, qualquer citação, metáforas previsíveis, ele precisava de mais e ela tinha de menos. Ele estava em 60, ela em 80.

Um comentário:

Anônimo disse...

já não consigo deixar para dois minutos depois acessar aqui. ontem lembrei tanto de você, mas tanto, quis muito lhe mandar uma foto - dele, e depois, minha. pra você dizer desse jeito que não dá. pra você fazer-lhe uns versos assim em prosa, dançantes. porque a bailarina perdeu o passo faz tempo. de tanto idolatrar a foto. de tanto idolatrar seu texto. AMO!