sábado, 8 de março de 2008

FELICIDADE FOI EMBORA

O bico do rapaz estava lá só porque ela confessou amar devotamente o açafrão que coloria o arroz, no almoço que ele oferecia aquele dia. No cardápio: farofa de cenoura, salada verde e alguns filés pra acompanhar.

O fim do amor vivido por mais de nove semanas e meia, que começou na cozinha também terminaria ali tendo como testemunhas o pingüim da geladeira, trocentos imãs coloridos e o recado que anunciava o regime marcado pra começar na segunda-feira.

O início foi vapt vupt. Dois dias depois de ela ter pedido pra ele virar uma omelete na frigideira sem teflon caíram no hully gully. Dali pra frente foi só rendição, juras de amor eterno e um filho pra dar o seu nome.

- Você falou uma vez que não gosta de comida japonesa.
- Odeio.
- Eu como toda quarta, num restaurante aqui perto.
- Se fôssemos casados eu jantaria pipoca toda quarta.
- Não, eu iria mudar o hábito para ficar com você.
- E você ia cozinhar o cardápio de hoje de manhã pra gente?
- Claro, o objetivo é derreter seu coração.
- Depois eu faria uma torta de maçã pra gente e o que sobrasse comeríamos no café.
- Perfeito. Você pode dormir com ar condicionado? Ou tem rejeição?
- Eu dormiria coberta.
- Edredon leve nas cores que você escolher.

Acostumada com tudo o que é "nego torto, do mangue ao cais do porto", se jogou pra ele, que entendia de poesia, tinha amizade duradoura com poetas e foi abstêmio por cinco anos.

- Laranja e amarelo.
- Com um pouco de frio dá pra se aproximar, enquanto dormimos pernas, mãos nas costas para uma massagem leve, relaxante, nada muito colado, apenas em pontos estratégicos. Funciona.
- Você se importa de se cobrir um pouco? Assim ficamos juntos.
- Eu durmo de edredon, teria apenas que mudar a cor.
- E o que faríamos às 21h de todos os dias?
- Eu vejo o jornal na TV, obrigatoriamente. Preciso. Às 21h estaria bom para um filme, em casa ou no cinema. Se você tiver que acordar cedo, ficamos em casa, vendo na TV.
- Poderíamos acender um incenso, comer alguns chocolates, ouvir Bach em alguns dias, Nana nos outros e você iria ouvir algumas lamentações. Também iria rir bastante comigo e ser obrigado a responder perguntas sobre seu trabalho.
- Seria prazeroso, quero ser seu herói.
- Na quinta-feira teríamos nosso happy hour, na sexta vararíamos a madrugada em boteco fora de mão.
- Deve ser divertido beber umas brejas com você, fazer a corte, provocar e fazer suas vontades.
- Eu ia almoçar em casa ou na rua durante a semana?
- Você escolhe. Em casa, eu cozinho durante a semana. Quero levar você ao cinema, certamente. Já usou tamanco, desses de mulher, que deixa alta e que os hippies usavam, sabe qual?
- De salto mais grosso?
- É, tipo holandês.
- Tenho muitos sapatos bonecas: azul, lilás, marron , verde, laranja e cobre.
- Eu gosto.
- Você promete cuidar da minha plantação de manjericão?
- Claro, eu tenho uma.

Depois disso nunca mais tiveram notícia um do outro. Gente estranha. Um dia desses o telefone de uma das duas casas toca.




....






Pedido:


Coloquem um botãozinho no lugar daquele prego que insiste em berrar sempre que o salto de borracha sai, com sensor para sacar quando as pantorrilhas estão doloridas. Automaticamente o Luix XV é engolido para dentro do solado. No fim da noite, depois que estivermos abóbora, apresentamos o mesmo modelo do início da maratona e não pés imundos e descalços que não se bicam com o tom dourado do vestido.

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